Lit&Mus: Mais um filho de Maria

Se ele era malandro? E como!, não perdoava ninguém, mãe, tia, parente nenhum; nem o irmão que sempre ajudava na hora do desespero ele perdoou, também deu o golpe. Sei lá, talvez achasse que não era justo fazer diferença entre as pessoas e aí não tinha um que saísse ileso; em quem tivesse por perto ele aplicava as dele. Difícil até de acreditar, malandragem ali era o não faltava ou pior!, que sobrava – e sobrava pra todo mundo.

O danado parecia não ter dó, fazia tipo por gosto; quem sabe queria ser lembrado, eternizado na vida das pessoas, reconhecido pelos seus feitos, pelo impacto que causava, pouco se fodendo se era bom ou ruim.

Só que já era.

Aconteceu, porque o destino não esquece, tem memória boa, sempre acerta as contas e a dele era grande, só que de soma fácil – um mais um -, nem precisa de esforço pra saber o resultado. Mas vacilou, veste paletó de madeira, alinhado e sob medida, e tudo o que causa nas pessoas agora é curiosidade.

Zito acha que foi pouco, devia ter sofrido mais pra pagar o que tirou de cada um; a dignidade, foi isso que roubou de Zito, na própria cama quando Dorinha deu a primeira por gosto e todas as outras sem vontade, mas por obrigação. Zefa, Cidinha, Léia… Só lembra o nome porque essas deram trabalho, o pacote vinha com corno ciumento atrás; mas todas as outras foram fáceis de comer, não tiveram nem graça, porque mulher oferecida é um porre, ele falava. Chato foi com a Joana que além de não querer, depois tentou esconder a barriga; aí ele pagou um zé-ruela qualquer pra espancar a filha da puta até ter certeza de que não ia mais vingar.

Só que já era.

Tinha que acontecer, foi o que o Boca, dono do morro, falou pra quem quisesse ouvir, que não dava mais pra resolver na miúda, em paz, era esse o resultado e ninguém mudaria a sina que o porrinha tinha escrito pra ele mesmo; nem dona Maria, coitada, mãe do desgraçado, questionou; não por medo, mas por tristeza. Sabia que o filho limpava sua bolsa toda semana e que ele perdia cada centavo ou no bicho ou no truco. Quando o baralho tava na mão, aí era de boa, a trapaça era certeira, seu maço nunca falhava. Mas nem sempre era ele quem dava as cartas e aí era foda. Devia muito pra Deus e demais pro resto do mundo. Prometia pagar, só que não.

Ele tinha seus fornecedores, todos fiéis e pacientes, porque pra eles sim!, volta e meia, dava um qualquer pra poder manter o fiado e por isso é que todo dia tava de fogo. Pitu era o que mais sofria, porque sábado tinha que pagar pro Boca a venda do perfume, mas a conta nunca fechava; tirava do bolso pra cobrir o prejuízo e não caguetar o cliente mais frequente. Com Fininho o crédito tava garantido, o rapaz era gente boa e não tinha cara de cobrar o fumo… Até porque sempre ganhava umas biritas na faixa lá no bar do Garcia, onde a conta do pilantra dobrava a esquina, sem nenhuma previsão de passar a régua.

Só que já era.

Subiu porque foi vacilão – e vacilão não dura muito. Foi o próprio Boca quem passou ferro e deixou de aviso pros outros que estavam no mesmo caminho: que a vida era real e final feliz só no cinema. Todos sabiam que a história não acabava ali, que esse era só mais um e que Hollywood estava bem longe do morro. Porque no morro não existe perdão.

Este conto faz parte do projeto Literatura & Música.

“Le Bolivia”, Toinho Melodia

Confira: https://www.youtube.com/watch?v=J4DvtgPEDyo