As três irmãs: O sangue e a sede

ATI 5

Lembra de quando suas brincadeiras passaram a ser na terra seca, todo o redor de sua casa. A mãe preferia que dormissem, pra não ter criança com tanta fome depois, com tanta sede que era de amargar os olhos e o peito. O pai não via nada, cabeça embotada de raiva do temporal que não caia, do sol que trabalhava dia e noite, o riacho que diminuía como de ralo aberto. Mas as irmãs não se valiam de água, de sombra, mas dos desafios de furar o dedo nos cactos, de quem aguentava mais a dor sem gritar; valiam-se dos esconderijos de árvores ocas, caídas, cascas esfarelentas, da corrida dos bezerros magrelos que amoleciam no meio da poeira – pareciam desmontar só no sopro. Porque não conheciam o arroz para desejarem seu gosto, nem imaginavam que existia melancia, nunca ouviram falar de gelo. Com as irmãs, ela não ansiava nada mais que sorrisos. Mas isso era ainda naquela época, quando da única vez que viu o pai chorar rapidinho: e desde o dia em que não matou a sede correndo pra nascente, desde quando desmaiou a primeira vez, não sorriu mais para as irmãs, nem o pai. Culpou a mãe, furou a língua para o sangue criar saliva na boca. Resolveu não amar ninguém.